segunda-feira, 4 de abril de 2016





ezgi polat








A noite quando ao fim descer decerto há-de
ser certa solução. Foi há muito a infância
Ao tempo o que tu tens tu bem o sabes cede
estendo as mãos talvez te fique a inocência

A vida é uma coisa a que me habituei
adeus susto e absurdo e sobressalto e espanto
A infância é uma insignificância eu sei
e apenas por a ter perdido a amamos tanto

Estou sozinho e então converso com a noite
das palavras que nos subjugam nos submetem
As coisas passam e em vez delas é aceite
o nosso sistema de signos onde as metem

Esta minha existência assim crepuscular
devida àquela que é rastos destroços restos
acusa hoje alguma intriga consular
de quem não tem cabeça a comandar os gestos

Foi uma rosa rubra a autora desta obra
aberta e arrogante grácil flor do instante
que triunfante não há coisa que não abra
para ferir quem a viu e morrer de repente 

E noite sou e sonho e dor e desespero
mero ser sórdido e ardido e encardido
mas já não tarda a abrir-se na manhã que espero
um arco com vitrais aos vendavais vedado 

E embora a minha fome tenha o nome dela
e da água bebida na face passada
não peço nada à vida que a vida era ela
e que sei eu da vida sei menos que nada


ruy belo 









adeus. não mais permitirei que o mundo me perturbe - ninguém. no seu estado de sítio e alarme. conseguirá interromper a minha esperança - por vezes desperto para a realidade. acordo dos sonhos para dizer ao mundo que não mais voltarei aqui - adeus. sei bem que as minhas fraquezas são as minhas forças e sem medo insisto. perturbo cada passo. com a serenidade do caminho - nenhum norte de mim desiste. de tanto se fazem os meus dias. que as noites se ausentam - inventarei outros continentes. onde ser feliz. em cada entardecer farei um ninho e em cada rosto um sorriso - adeus









domingo, 3 de abril de 2016





elizabeth gadd 







Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

mia couto






fazer-me raiz e reconhecer que estive tanto tempo ausente. compreender que as manhãs se fizeram prisões e os dias sementes que nunca nasceram - perdoa-me ter interrompido o amor com desculpas de ausência. sem saber de mim perdi-me de nós - regresso agora da morte para te dizer que a luz nunca desapareceu. ocultada da vida renasce hoje em forma de raiz - sou hoje o princípio e o verbo de tudo. em tristeza descubro a alegria da aprendizagem - regresso aos teus braços com o corpo coberto de terra. desperto para o mundo com os olhos postos no caminho. no presente que cada manhã a vida me concede - a tristeza acalma e o coração iluminado sob às mais altas colinas para agradecer esta dádiva. mais um dia de vida







sábado, 2 de abril de 2016






foto de beatriz canteiro
















Não, não rezes por mim.
Nenhum deus me perdoa a humanidade.
Vim sem vontade
E vou desesperado.
Mas assinei a vida que vivi.
Doeu-me o que sofri.
Fui sempre o senhorio do meu fado.

Por isso, quero a morte que mereço.
A morte natural,
Solitária e maldita
De quem não acredita
Em nenhuma oração
De salvação.
De quem sabe que nunca ressuscita.

miguel torga 








reconheço que não soube aprender com as tristezas e amarguras que a vida me reservou. o meu ser humano errou. perdi humanidade e. em minha defesa. escondi-me de mim mesma - durante muito tempo fingi ser a pessoa mais calma que o mundo conheceu mas reconheço que guardei todo o mal que me fizeram dentro de mim. e deixei que isso corrompesse e destruísse a minha essência - reconheço - por dentro de mim a maldade ganhou forma e hoje entrego o meu espírito ao céu para que se cure de todo o mal que nele houver. porque o mal não me pertence. tenho raízes de bondade sou feita de puro amor - cada lágrima que choro são raízes de raiva e ódio. que carregava dentro de mim - a minha alma agradece a Deus pela oportunidade de libertação. pela oportunidade de crescimento e pela orientação - peço perdão a todos os que magoei sem consciência. peço perdão por não ter conseguido dar-vos o meu melhor - a minha maior fraqueza sou eu mesma. reconheço. aceito-me. liberto-me. entrego-me na obra e graça da luz. a luz mais pura - construí defesas. um castelo feito de pedras. como dizia o poeta. mas as pedras do meu castelo não se transformaram em aprendizagem. o meu interior ferido. deixou-se assim ficar. preso nessa aparência forte e dura como pedra. desenvolvendo egoísmo. egocentrismo e um grande medo de ser feliz - tanto medo criei que destruí a minha felicidade nunca conseguindo entregar o melhor de mim a ninguém - tal como o filho pródigo regresso a casa. à luz. com o corpo fustigado pela culpa reconhecia. que a mea culpa se transforme em luz e toda a maldade de mim se afaste. nada disto é meu. não me pertence. foram subterfúgios que o ego criou - reconheço. peço perdão. ergo os braços para a luz - pai. regresso a casa. percorri o meu calvário. dá-me um abraço.