sexta-feira, 24 de abril de 2015






elizabeth gadd











Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
miguel torga








tantas vezes a tua voz me chega de longe como um pronúncio de sorte. dizes: está tanto frio aqui.     - mas é tão grande a sorte de te ouvir que não sei que dizes - um cheiro forte a ervas doces e no umbigo a força de sete mares - e sei da copa das árvores sob as margens do lago da nossa morte. a água tão parada. as folhas tão quietas. a barca tão distante - o teu peito farto de frio o meu farto de ternura. deixo cair a cabeça no teu ombro e tu respiras tão fundo que eu sei o caminho que o ar percorre dentro do teu corpo - 








segunda-feira, 20 de abril de 2015






mariam sitchinava







Neste lugar transitório mantém-me mendigo
Desviando-me de mim - não
Da tua mão. Dá-me como. Conduz-me
Para a esquerda e para a direita, roda-me sempre
Para a saída

Deixa-me ser a porta no eixo
Posta para trás pela mão de quem entra
Deixa-me ser o chão assiduamente

Quero ganhar a forma
Do degrau
A forma da mão que se abre quando nada tem
E quero a mão, no entanto. Interessam-me alguns instrumentos de posse

A língua para me calar
As rótulas, os calcanhares, os rins

O corpo inteiro, completo
Para morrer

daniel faria 








sonhei que corrias. o coração ia-te à frente. batendo em todas as portas - em nenhuma casa me encontra. nenhuma porta se abre - queria correr por ti. correr contigo. mas as minhas pernas imóveis. só em sonhos       - e nada te digo hoje. porque não posso. as minhas mãos não reconhecem o teu rosto e os meus olhos. por quem os dias passam como nuvens. envelhecem - para ti reservo um inacreditável mundo novo. onde guardar todas as alegrias. de onde pássaros não migrem. para onde tu sempre corresses. outra vida -


















domingo, 19 de abril de 2015







laura makabresku 











Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
herberto helder





tão só que o mundo se arrependa de me ter tido. que os homens não gostem de me ter amado. que todos os amigos me recordem como a palavra nunca pronunciada - enfim. tão só. ao longe barcos cruzam a paisagem e é como se eu assim me cruzasse comigo e me dissesse: dói-te tanto o corpo. porque sorris - a ninguém se deu o direito de questionar sorrisos. deixai-me passar pelo mundo de cabeça erguida. pesa-me tanto o corpo. sinto a alma tão longe. deixai-me cair de uma vez para sempre - todos os mares do mundo conhecem a minha pele. estranhos dividiram comigo os maiores sonhos. e ninguém decerto me conhece - se me ouvires chamar nada faças. a minha dor é tão grande que nada podes fazer. se me ouvires gritar. corre. o mais fundo que puderes. não tenhas medo. será escuro. será denso. mas a vida é feita disso e quem o nega não vive - 












terça-feira, 14 de abril de 2015





ezgi polat










The leaves are falling, falling as if from far up,
as if orchards were dying high in space.
Each leaf falls as if it were motioning "no."

And tonight the heavy earth is falling
away from all other stars in the loneliness.

We're all falling. This hand here is falling.
And look at the other one. It's in them all.

And yet there is Someone, whose hands
infinitely calm, holding up all this falling.

rainer maria rilke


















i spend all my days trying to find the right way to tell you how I feel. how bad my heart goes – and every morning i look at mirror and i say: i’m better now. i really can rest – but my body hurts. my soul crashes into small pieces and i’m broken. i’m so fucking broken that I guess I never be myself again – when you leave me. my skin became glass and all my bones frozen. my body started to being a glaciar. and i’m so polar - sometimes I think about us and it’s like a dream that a dreamt so far ago. i remember your voice telling me things. sweet memories of places where i never go – one day. in the future. my dark and deep soul will rebirth and my body finally goes into the light








sexta-feira, 10 de abril de 2015





witchoria













Tentei fugir da mancha mais escura que existe no teu corpo, e desisti. Era pior que a morte o que antevi: era a dor de ficar sem sepultura.
david mourão ferreira







na porta de casa repousa um ramo de alecrim e alfazema. atado por uma rama seca. o teu xaile pousado na mesa. e a tua boca fina sorrindo com as mãos presas uma à outra. como quem espera que o amor nunca acabe - haveria de jurar-te o maior amor do mundo. nesta imagem. tal como uma fotografia que a memória não esquece. uma paisagem que te devolve vida - sei que existes pela luz que trago dentro. que como flor cultivaste com sorrisos e carinho - o meu coração é um diamante bruto lapidado pelo tempo e pelos lugares por onde passei - nenhuma dor maior como a de te ver partir. lentamente. pé ante pé. sopro de ar           - suspiro - é por ti que correm os meus braços. por ti toda a minha vida 











quinta-feira, 2 de abril de 2015






mariana sabino














Vais crescendo, meu filho, com a difícil luz do mundo. Não foi um paraíso, que não é medida humana, o que para ti sonhei. Só quis que a terra fosse limpa, nela pudesses respirar desperto e aprender que todo homem, todo, tem direito a sê-lo inteiramente até ao fim. Terra de sol maduro, redonda terra de cavalos e maçãs, terra generosa, agora atormentada no próprio coração; terra onde teu pai e tua mãe amaram para que fosses o pulsar da vida, tornada inferno vivo onde nos vão encurralando o medo, a ambição, a estupidez, se não for demência apenas a razão; terra inocente, terra atraiçoada, em que nem sequer é já possível pousar num rio os olhos de alegria, e partilhar o pão, ou a palavra; terra onde o ódio a tanta e tão vil besta fardada é tudo o que nos resta; abutres e chacais que do saber fizeram comércio tão contrário à natureza que só crimes e crimes e crimes pariam. Que faremos nós, filho, para que a vida seja mais que a cegueira e cobardia?
eugénio de andrade









tens o hábito de segurar firme as princesas. talvez por isso deus te tenha dado braços robustos e um rosto iluminado - às vezes vens buscar-me para uma conversa. falas de tudo menos do que sentes. mas sei que sentes. tanto que nem imaginas - tens guardadas nos olhos as mais belas paisagens. estradas de países longe. o frio da bósnia    - dias há em que te sei na primavera coroada de flores - sabes a. recordo com saudade a alegria do teu casamento. o dia longo. o corredor da igreja rodeado de gente. e o teu rosto a aquecer o frio do desconhecido - pés firmes no caminho. a certeza do caminhar. sossegado como o coração e a tranquilidade do p. ao dar-te a mão - mais tarde concretizaste o teu sonho e hoje és mãe da mais bela princesa que o país conheceu. a quem deste o mais bonito nome das ibérias - nunca to disse mas tens em mim um futuro de sol. uma luz que te guarda para sempre. tão perto que nem consegues ver - a luz quando é forte cega - queria falar-te de sonhos. de dias melhores. de carinhos no peito e  abraços tão fortes que te segurem quando atravessares desertos e campos sem dono - a vida não tem sido nada fácil. os dias passam na ânsia de algo melhor. mas se fechares os olhos descobrirás que dentro de ti vivem milhares de estrelas que na noite iluminam os passos de quem amas -