sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015















laura makabresku
















A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. 
 jose luís peixoto













há alguns dias que ando por aqui. sustendo a respiração quando me aproximo. tenteando o corpo quando a tua imagem se me apresenta em forma de retratos e memórias – os dias têm sido frios. muito frios. como sabes tenho passado as tarde de pernas cruzadas. sentada em frente à lareira. ouvindo a madeira de pinheiro a fazer barulhos que não conseguirei replicar ainda que o quisesse – passaram anos e tudo tão na mesma – ontem procurei as tuas pantufas. não estavam no sítio do costume. revirei a casa. vim a saber que estão guardadas. junto com muitas outras coisas tuas. numa caixa no sótão – só queria calçá-las um bocadinho. não é que me servissem. tinhas o corpo mais pequeno. mas era só para confirmar que estão frias. que já não as calças. quero acreditar que aí onde agora moras não precisas de pantufas. que o chão é feito de nuvens quentes – os santos têm vindo sem aviso até mim. a meio do corredor a mãe ergueu um altar em tua homenagem. temos rezado muito por ti – todos os sábados a mãe vai ao cemitério acender-te uma vela. sei que não estás lá. mas foi lá que meteram o teu corpo e lá que todos te procuram quando a saudade é maior. quando o sofrimento é mais forte – eu. já há algum tempo que não vou. e se estiveres ali onde te enterraram. debaixo de mármore. perdoa. ainda em vida avisei-te que gosto pouco de cemitérios – um dia destes levaram-me a ver a ponte pênsil. aquela dos meus sonhos que teimavas em dizer-me que existia – pelo caminho foram platanos nos olhos e heras no coração. ao fundo o rio. quieto. sobrevoado por garças de voo plano – a ponte é como nos meus sonhos. segura por braços fortes e pedaços de terra dura. ladeada de verde. de ervas e arbustos baixos - tinhas-me dito de quando ali te sentavas a meio da ponte. e de olhos fechados sentias o vento balançar a vida - como o mundo é pequeno quando assim estamos parados – quis fazer-me de água e correr rio abaixo. conhecer os peixes. descobrir as margens. parar no moinho para ouvir a roda e a água quase presa – às vezes a vida estala. às vezes o tempo dura. às vezes o mundo é fundo 












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