sábado, 29 de março de 2014














laura makabresku 






















deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.

al berto







e dizer-vos que nenhum mundo nos espera. estando certa que o pessimismo que me habita só existe à força de pesadelos e sombras. e outras memórias que o corpo guarda - talvez mais tarde faça sentido contar-vos  essas histórias de gente crescida. de avós e pés de galinha apertados a cordel - latidos de cão. fumo. mãos secas. verde musgo. assim te recordo como se voltasses de repente à terra - sabias de cor ladainhas e provérbios. que luas eram. que tempo vinha. de nuvens ou de vento tiravas fundamento e a vida corria. dizias histórias do antigo testamento para justificar actos e omissões. cedo me ensinaste o temor a deus e a misericórdia dos santos - contigo aprendi de plantas. árvores. frutos. sementes. que a água segue pela inclinação das terras e nada pertence aos homens. porque tudo é do mundo - que a vida vale a pena pela bondade que temos. nos sonhos que construímos. pela força dos valores de que somos feitos - o teu corpo tinha uma luz que não há - 































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