quinta-feira, 28 de junho de 2012














Porque não haverá paz para aquele que ama.
Seu ofício é incendiar povoações, roubar e matar,
e alegrar o mundo, e aterrorizar, e queimar os lugares reticentes deste mundo.
Deve apagar todas as luzes da terra e, no meio da noite aparecente,
 votar a vida à interna fonte dos povos. Deve instaurar o corpo e subi-lo,
lanço a lanço, cantando leve e profundo. Com as feridas.
Com todas as flores hipnotizadas.
Deve ser aéreo e implacável. Sobre o sono envolvida pelas gotas abaladas,
no meio de espinhos, arrastando as primitivas
pedras.

  herberto helder









 por dentro da noite andava. as mãos morenas a descobrir cabelos. os pés a descobrir caminho - e o corpo nunca soube que o coração lhe morria - quando acordava era o mundo tão pequeno na pele que o corpo lhe deitava as extremidades ao chão - quero dizer-te: não morras. como quem pede que a noite passe depressa. ou que não falte luz no caminho de regresso a casa. que os pássaros migrem mas voltem - porque as mãos não sabem que sem cabelo anda a cabeça.




terça-feira, 26 de junho de 2012












joanna galuszka













Um rasgão de luz sobre a pele, dormes na seiva doce das manhãs.
Mas sabes que só há repouso para o sofrimento quando se entra no primeiro dia dos dias sem ninguém.  Viajo, sem me mexer desta enxerga branca.
 Tento encontrar espaço para a lucidez do meu silêncio.

 al berto 










 são dias de calor estes onde ninguém entra. nenhuma voz se ouve nem quando quieto fica o corpo - por sorte é verão e falta pouco para o fim do ano - as vozes são como vento entre ervas. passeando. e uso o gerúndio para lhes dar movimento - se amanhã fosse domingo podia inventar água e ver-me o reflexo - talvez no futuro encontre um pedaço de terra onde atracar este barco. está ficando pesado - lembro o verão quente por entre a frincha da porta e uma nesga de sol a ocupar-te as pernas. e eu sou do tamanho delas avó. ouves no rádio precauções para a tempestade e eu vou sacudindo as moscas e contando os segundos enquanto detenho o ar um pouco mais dentro do peito. é tudo tão apertado cá dentro -




terça-feira, 19 de junho de 2012










já disse tantas vezes adeus que perdi a vontade de abraçar os homens. por dentro da noite sei que algum adeus me espera - e tenho pena - não preciso regressar ao lugar onde mais me doem os ossos. tenho pena de ficar no lugar onde nem sinto a alma - tenho pena de sofrer por quem por mim não sofre. por quem nem vê que há noite são negras as lágrimas e não há estrelas - nunca acreditei que existissem lugares para sermos unicamente felizes e a felicidade é uma rasteira que o destino nos prega quando andamos distraídos com o amor - que o coração não me doa e durma. depressa. que o mundo dói mais quando acordado o corpo vela a ausência.









terça-feira, 5 de junho de 2012




Masha Demianova 






 Vou falhando as pequenas coisas que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
O silêncio não se recomenda.
Deixa-nos demasiado sós,
visitados pelo pensamento.

 luís quintais






 eu sei que a vida é triste - nunca seremos tão felizes. nunca teremos a vida que sonhamos - o país esqueceu-se de nós. andamos com sorrisos falsos no rosto inventando outras formas de ser jovem e cometer loucuras - ninguém merecia - o país esqueceu-se de nós - tento esquecer-me do país mas não consigo. as pessoas estão sós. perdidas. não acreditam na vida. tendem à morte - queria dar ao mundo uma razão para inventar a felicidade mas já não tenho coragem - gastei as minhas forças a lutar contra o destino.