domingo, 1 de maio de 2011

























"… cantada por um homem chamado Caruso que se diz que já morreu.
A voz era tão macia que até doía ouvir.
A música chamava-se "Una Furtiva Lacrima".
"Una Furtiva Lacrima" fora a única coisa belíssima na sua vida.
Enxugando as próprias lágrimas tentou cantar o que ouvira.
Mas a sua voz era crua e tão desafinada como ela mesma era.
Quando ouviu começara chorar.
Era a primeira vez que chorava, não sabia que tinha tanta água nos olhos.
Não chorava por causa da vida que levava:
porque, não tendo conhecido outros modos de viver, aceitara que, com ela, era "assim".
Mas também creio que chorava porque, através da música,
adivinhava talvez que havia outros modos de sentir,
havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma.
Muitas coisas sabia que não sabia entender…"

clarice lispector








quando chorava. doíam-lhe todos os meses. e os anos passavam. lentos. a pouco e pouco todos parecem lembrá-la menos. a sua falta só no silêncio da casa. o lugar sempre vazio no sofá. a sua voz. tão triste. que me dizia - é noite todo o dia nesta janela- também eu chorei. no dia calmo de dezembro. em que não chovia. e as nuvens altas cantavam. partiu sozinha. nenhum anjo a esperava. nenhum deus a levou. foi com o sol.










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