domingo, 3 de abril de 2011





















Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.



pablo neruda









abril. esperava-me com a mão em aceno. à entrada da casa. porta sempre aberta. e o coração era-lhe um pequeno floco de neve que o inverno esquecera.nunca lhe disse nada. qualquer coisa seria pouco. às vezes abraçava-a como se abraçam os corpos que queremos que fiquem para sempre. - adeus. até depois. são tantas as primaveras - fugia. nenhum pedaço de terra lhe servia. nenhuma vida. o seu nome é levado pela brisa quente. quando fecho os olhos é fácil lembrar o seu rosto. quieto à entrada da casa. a pele tão branca. os lábios flores de silêncio.queria dizer-lhe - não partas nunca mais.- mas nunca mais é pouco. e volto o corpo para a noite onde me espera o fosco brilho das paisagens. - não regresses aqui.
















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