terça-feira, 19 de abril de 2011


































Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

miguel torga








lembrei-me do teu porta-moedas. hoje. a meu lado sentou-se uma senhora. tinha mais ou menos a idade com que morreste. contava as moedas ao colo. um avental muito velho e roto. falava sozinha. alto. eu ouvi deus amor gato reforma céu. o cabelo comprido branco caído no assento. ninguém deu conta mas a certa altura chorou. gotas grossas de tempestade nos olhos. queria abraçá-la como te abraçava quando choravas. quando a solidão te era tanta que falavas alto - para os meus botões dizias - queria inventar outro mundo onde ainda existisses. falar contigo até adormeceres de cansaço ou de medo. levar-te ao colo em direcção às estrelas. - boa noite avó, até amanhã.









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