sexta-feira, 25 de março de 2011

























Queres um cigarro? - pergunta ele. Aceito. Acende-mo com gentileza, embora se pudesse esperar, devido a toda esta tensão, que simplesmente me atirasse o maço de cigarros e a caixa de fósforos. Pretende ser distantemente gentil, mas a mão treme-lhe quando me estende os cigarros. Quer dar-se, dar-se para lá de qualquer expressão inóspita, da teoria masculina da força e do poder. E então ocupo-me do meu corpo. Penteio-me, calço as meias, ponho bâton. O homem folheia um livro. Coloca um disco no pick-up. E quando se vira, talvez para dizer: por favor, fica - eu levanto a cabeça e pergunto: já deixou de chover?

herberto helder







ela respira. a voz está já tão morta. o corpo todo tão afogado. a pele em água. quando se volta não há regresso. em nenhuma porta ninguém a espera. ela não sabe. se soubesse não adormecia assim a noite nos lábios. como um sussurro. tão alto que acorda a rua. tão quieta vai a rua e ela. silêncio. só mais tarde no lugar do coração o mar. alto e bravo. mar. não calmo e manso. ela respira. um dia destes. fraca memória. cabeça perdida. coração na boca. porque as memórias não morrem. são como sorrisos. e nenhum outro país saberá dela.














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