terça-feira, 15 de março de 2011

















Meu avô, aquele que construía casas, era de Castelo Branco. Fez habitações para toda a gente menos para ele. Não sei se alguma vez lhe passou pela cabeça que viria a ter um neto também construtor, construtor de coisas pequenas, frágeis, leves. Ele usava o granito como material, as suas casas estão ainda de pé; o neto trabalha com poeira, sem nenhuma pretensão de desafiar o tempo.
eugénio de andrade









meu corpo não descansa sem o teu. talvez o coração não saiba como bater. sem o teu. nem o teu bata já sem o meu. fraco. muito fraco. silêncio. nenhuma palavra atravessa agora o céu. penso em ti tantas vezes quando chove. e mesmo quando não chove e as nuvens ocupam o lugar azul. o teu rosto desapareceu. e todos os lugares onde te tive estão agora subitamente vazios. os sorrisos que me deste não têm boca. nenhum grito é teu. nada que não tivesse morrido. talvez o teu corpo ao meu regresse num dia claro.outro. quando a primavera trouxer as flores e as giestas cobrirem as paisagens. não queria que chorasses. que a solidão não te tivesse trazido dias longos. ter-te dito que todos os lugares onde estiveste são para mim os melhores lugares do mundo. que a tua voz ainda me fala dos sonhos. tinhas tantos sonhos. às vezes penduravas-te no meu pescoço para me dizeres ao ouvido que é triste envelhecer. se eu soubesse não te tinha largado. nunca. dava um nó aos braços. para sempre. todas as memórias me trazem as tuas mãos. em rugas. tenho pensado tanto em ti. do mundo conhecias pouco. fomos à galiza. vou-te contar um segredo avó: não há mais mundo para lá da ibéria. não posso chamar mundo ao que não te conheceu. longos eram os silêncios. voltavam com a queda das folhas. estive tantas vezes longe. nunca te disse a falta que me fizeste. quando as lágrimas me comiam os olhos é por ti que chamava. valentina. e o teu nome era um pássaro. um pássaro de voos altos. desses que migram. migram mas sempre regressam. gostava de te ver agora entrar por aquela porta. mesmo que não dissesses nada. que na boca te crescessem as eras. estás aqui na minha frente e sei do sol.







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