domingo, 3 de outubro de 2010










A última palavra será a quarta dimensão.
Comprimento: ela falando
Largura: atrás do pensamento
Profundidade: eu falando dela, dos fatos e sentimentos
e de seu atrás do pensamento.

Eu tenho que ser legível quase no escuro.

Tive um sonho nítido inexplicável: sonhei que brin cava com o meu reflexo. Mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu.
Por causa desse sonho é que inventei Ângela como meu reflexo? Tudo é real mas se move va-ga-ro-sa-men-te em câmara lenta. Ou pula de um tema a outro, desconexo. Se me desenraízo fico de raiz exposta ao vento e à chuva. Friável. E não como o granito azu lado e pedra de Iansã sem fenda nem frincha. Ângela por enquanto tem uma tarja sobre o rosto que lhe es conde a identidade.
[...] Só me interessa escrever quando eu me surpreendo com o que escrevo. Eu prescindo da realidade porque posso ter tudo através do pensamento.
A realidade não me surpreende. Mas não é ver dade: de repente tenho uma tal fome da "coisa acon tecer mesmo" que mordo num grito a realidade com os dentes dilacerantes. E depois suspiro sobre a presa cuja carne comi. E por muito tempo, de novo, pres cindo da realidade real e me aconchego em viver da imaginação.»


clarice lispector








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