quarta-feira, 20 de outubro de 2010
























Penso em ti e paro uma vez mais
                          o esquecimento.

                                  ulla hahn









Às vezes paro à porta
com o olhar perdido e habituado ao silêncio,
há mais desertos ainda, dias
e morte noutros olhos.
Com a garganta habituada à sede,
com os pés às feridas,
saio para a rua
e já não há umbrais.

Ando um dia, passo outro,
acabo uma semana de vidros partidos
e tosse mais velha.
Hoje parece que sempre
choveu sobre mim,
e não me importa
se a chuva já não se parece ao esquecimento
e apenas deixa charcos, paredes mais sujas
e fuligem e tristeza nos olhos de rímel,
ainda tenho sede
e não me importa
voltar às coisas más e aos velhos tugúrios
à procura de algo que não encontro nem recordo,
que costuma principiar por um encontro,
talvez por outra palavra
e corre o perigo de crispar-se
até à forma da folha da faca.

Às vezes tudo é tão estranho
que não basta continuar a andar.


alfonso barrocal























quero dizer-te que todas as coisas, mesmo as sem nome ou tempo, sabem de ti. lembro-me da mesa me falar de ti, quando sentada ao canto relia as cartas que me escreveras. e a mesa lembra-te bem as feições, tantas vezes melhor do que eu de ti fala, que me parece que te ama mais a mesa do que eu. ou o amor, este que sinto, seria então decerto diferente do que a mesa por ti sente. uma mesa é,para além de uma coisa sem nome ou sem tempo, uma memória. sobretudo a dos teus cotovelos no tampo, ou a tua face cansada sob ele, os as mãos nele pousadas. e continuamente te lembro os cotovelos, a face, as mãos. e apareces-me sobre o tampo da mesa de cada vez que ela me fala de ti. esta manhã acordei triste. a noite parira nos meus braços uma ausência que, embora pequena, me começava a doer na pele. e a pele é também ela, por vezes, uma coisa sem nome ou tempo, uma memória. mais dura. mais funda. que a pele, para além das mãos, guarda o toque e cada dedo vive aqui para um futuro. esta manhã acordei triste, com um abraço tão apertado ao pescoço que quase o esganava. queria dar-to, logo pela manhã, com a luz calma. dizer: bom dia. à mesa, aos cotovelos, à face, às mãos, ao toque. mas nenhum bom dia é hoje.









troca por troca.













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