terça-feira, 19 de outubro de 2010
































diluída no quotidiano
fujo tão lentamente que
parece que fico

miriam reyes










Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

ferreira gullar









um dia morri só. era dezembro. um frio fazia fora. e dentro o corpo morto não falava. quando a mão acordou não havia outra mão, só ela aberta ao metal da cama. tudo muito pálido. e os olhos abertos à humidade do tecto e um rosto enorme, metido num corpo pequeno, a perguntar pelo meu nome. fugiu. não sei dele, atirou-se ao mar e foi com as correntes quentes para o sul. quis chorar mas o rosto enorme não sabia do meu nome, nem eu de mim. já tarde alta dei com ele, debaixo do corpo, enfiado num espaço breve entre o lençol e a pele. ficara ali o tempo todo. morri e ele ali. nasci e ele ali. quis pô-lo no lugar mas ele não quis, disse-me - já não sou teu. ninguém deve morrer sozinho e sem nome. penso. agora que as horas se encurtaram e o tempo corre. talvez um dia destes morra. talvez, de novo. talvez a mão acorde e seja outra vez só e o nome não seja meu. talvez. ou talvez eu não seja do nome nem morra nem o tempo seja tão curto. um dia quero estar certa de estar viva. ainda hoje quando acordo tenho o costume de chamar pelo meu nome. ainda acredito que possa estar escondido no espaço breve entre o lençol e a pele. um dia morri só. era dezembro. nenhum rosto era o meu por onde passava, só uma sombra muito grande me perseguia pelas ruas, em todas as esquinas, por todos os passeios, em cada beco. só aquela sombra grande e eu. quando parava ela parava, se eu andava ela andava. a certa altura corri, corri tanto e tão depressa para a despistar que quando dei conta já não sabia da casa, nem do corpo. tinha deixado tudo para trás. até os braços, que nunca me abandonaram, me faltavam. foi quando me sentei à espera que o corpo me procurasse, talvez com ele trouxesse a casa, que me apercebi que a sombra ainda ali estava. chorei.























        








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