terça-feira, 19 de outubro de 2010































...se lhes gritasse:
"o amor entranha-se na mais pequena porção do espaço"
saberiam que falo do meu corpo?...

rosa alice branco









Todas as pessoas sozinhas dançam devagar na sala de espera
mesmo que o dia seja quente e convide a passeios ao luar.
A música é sempre a mesma, assobiada ao ouvido
por um rapazinho tímido e fechado do qual não se sabe o nome
e a destreza que podemos alcançar, neste querer dar o passo certo,
é apenas uma mínima ideia da força dos nossos desejos.
Todas as pessoas sozinhas sorriem em frente ao espelho
e lavam os dentes como quem arranca beijos à emoção
de ter ali, à nossa frente, alguém de quem gostamos muito.
A porta da rua é um lugar onde só se sai,
a nossa família é uma fotografia pendurada na parede
e os amigos são aqueles que nos dão bons dias no café.
Todas as pessoas sozinhas gritam baixinho os nomes esquecidos
que outras pessoas sozinhas lhes sussurraram alto uma vez,
quando ainda éramos todos uns dos outros.
Engomada a camisa, vestimo-nos com o cuidado solene
daqueles que vestem camisas com emoção e significado
enquanto esperam a hora certa para morrer ou nascer.
Todas as pessoas sozinhas todas as pessoas sozinhas
embrulhadas em lençóis frescos porque é Verão
a rebolar as dores de pescoço pelas duas almofadas da cama
e a pensar que de tanto dormir assim sem ninguém
vai ser difícil voltar a adormecer só num dos cantos do colchão.
Todas as pessoas sozinhas todas as pessoas sozinhas.



luís filipe cristóvão 










não, esta tristeza, não a entendo. talvez venha das árvores, com o vento forte nos ramos. ou do chão, da terra quase seca. não. sei que a conheço melhor que a todos os domingos. nem os domingos me fogem tanto. só desta tristeza não sei, nem de onde chega nem para onde vai. muitas vezes a adivinhei no silêncio, quando os braços correm para o chão. outras vezes era o chão que corria e os pés estáticos anunciavam o frio. pode ser só por ser eu. é de mim esta tristeza. talvez nasça dentro, com o sangue, ao redor do coração. que tenho um coração maiúsculo quando chove. e o tempo é tão incerto quando estou triste. não, esta tristeza, não a entendo. não. nem sei que acaso breve a traz ou que memória a retém. que sombra por acaso a demora. ou que sentido, se sentido houver, a alimenta. sei dela apenas o essencial. que chega e fica. sempre mais um pouco. tantas vezes durante dias é o coração que a embala e bate. talvez não seja minha, não. talvez seja este meu jeito. esta minha vida. talvez nada, nada seja. senão esta quase alegria. quase. quase. tão pouco sei eu desta tristeza, que se a quisesse dizer, em poucas palavras o faria. dela apenas os dias. quando chove ou fica húmida a terra. ou é o frio que faz crescer o musgo nos lábios. e faz silêncio. e dói no ventre. e fica por ali, tamanha tristeza a minha. e não dizê-la é ver chorar o mundo. eu sei que a tenho. talvez comigo fique para sempre, como uma memória que se não pode esquecer de dura. que longas são as noites em que choro, quando abraço o corpo pelo lado de dentro, com as vísceras. não sei. nunca soube. por onde escapa, onde se esconde, quando os dias encolhem e os olhos se abrem. e as longas noites. e a longa espera. talvez ninguém saiba. nem eu. nem ninguém tenha de a saber. nem eu. nem em nenhum lugar exista a não ser em mim. esta minha tristeza. que cresce de ano para ano como o mar. talvez seja feita de sal, também, ou de água. talvez só caiba no meu maiúsculo coração. talvez volte com os pássaros, por entre as nuvens. evapora-se. ao tempo que não a via. pois hoje, por dentro da tarde veio, na pele a chamar-me. inquieta. depressa entrou pela boca que pariu silêncios. depressa aqui ficou.  mas não, esta tristeza, não a entendo por muito que pense ou sinta.












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