quinta-feira, 30 de abril de 2009

#128

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

al berto

#127

#126

* silêncio

#125



finalmente um bocadinho de cor.

#124

* gosto deste lugar. sentamo-nos no chão e falamos, como se nos conhecessemos há anos, ou como se em nós habitasse um outro tipo de confiança. trocamos passados como quem muda de roupa.

#123

silêncio 

quarta-feira, 29 de abril de 2009

#122





finalmente

#121

# queria colocar aqui uma pintura do picasso mas não consigo devido a problemas internos. enfim. fica ao menos a intenção.

#121

Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.

antónio franco alexandre

#120

#119

* agora puseram-me na cabeça que um curso de design me servia na perfeição, eu acho que é demasiado largo para mim. o XXL é me grande.

#118

às vezes creio pertencer a outro lugar, não este onde me sento, outro. um distante, desses que encalham o coração dentro de um peito, outro, que não o nosso, de onde se vê um largo buraco negro. quero rir tudo o que chorei, como se por lágrimas se vertesse em risos o que me doeu, como se fosse o mar capaz de caber dentro desta sala. subitamente ainda me sinto aqui, onde não pertenço, nesta cadeira que é chão oco de madeira tosca, nesta sala distante, onde prateleiras se erguem a sobressalto no plano interior. estou estagnada na noite, que colada ao vidro da janela, ao fundo, inclina a parede para dentro do meu olhar, como se no meu olhar coubesse o branco ou o mar. às vezes creio que estou parada mas há em mim o movimento de ruas paralelas a esta, onde casas se deserdam como órfãos sem lar.

terça-feira, 28 de abril de 2009

#117

#116

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois


Mário Quintana

#115





imaginem-me aqui já noite alta.
há casas que têm a ponte como companhia, há pessoas que têm a companhia das casas.

#114

* café, chá preto, cinema europeu.

#113

deste lugar, sereno, escuta-se o toque das tuas mãos. queremos que o momento seja breve, dure apenas um encontro, quem sabe se prolongue até nos próximos minutos, mas mais do que isso não, que o tempo estraga tudo, corrompe o mundo. somos invulgares, julgo, enquanto te olho a textura das mãos, invulgares e únicos e, ainda assim, escolhemos um lugar costumeiro, um lugar onde ter conversas casuais. até as conversas casuais são profundas.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

#112



parabéns madrinha lina e mãe.
às vezes creio que os meus braços são maiores que a distância.

#111

* há relógios que valem mais do que vidas.

#110

do lado de fora o mundo parece maior.
do lado direito do peito o mundo é menor.

#109




ó mãe dá-me o teu amor mãe. dá-me rápido que tenho um buraco no peito.

#108

mãe.
dá-me qualquer coisa hoje mãe.
um abraço.
um par de braços amarrados à minha cintura mãe.
dá-me mãe que hoje não estou em casa.
quero a música dos grilos entre a ceara,
a água a roçar a terra semi lavrada
e a tua saia onde me esconder mãe.
eu sei que és tu que fazes anos
mas dá-me qualquer coisa hoje mãe.

#107

ah, a mesma mesmice eterna de quem tem o poder de semi-deuses e,
ainda assim, não passa de um comum mortal.


escrevo para me certificar que hoje o tempo morre
e o espaço avança e recua para onde eu quiser.
e eu quero longe.

domingo, 26 de abril de 2009

#106



Gustav Klimt

#105

ser esta coisa nenhuma com as mãos e os pés atados ainda a um tempo que não me pertenceu, memórias de cabelos ao vento e aventais que voam como plumas no estendal por detrás da casa. ser este som, este nada no quoficiente de toda a amargura e, por querer inteirar-me dele, tornar-me traço fino de pincel sobre o quadro, pendurado à cabeceira da mesa da cozinha. ser também, por favor, o vento de norte, que chega com as penas das gaivotas, alvoroçadas sobre os mares, as ondas, ser as ondas e a maresia, o cheiro a peixe fresco na doca. ser o porto, o porto inteiro, sentir tudo isto ao mesmo tempo e morrer feliz.

#104

#103

Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas,
E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!


álvaro de campos

#102



o destino é indiscutível.

#101

Um nome arde tanto
de repente todos os caminhos parecem de regresso
a vida por si mesma não se pode escutar demasiado
a vida é uma questão de tempo
um sopro ainda mais frágil

a rapariga desce à pequena praça,
compra uma flor para ter na mão
uma forma intemporal de conservar
a perfeição ou a incerteza


josé tolentino-mendonça

#100

#99

as ruas são sempre iguais,
esbatem-se umas contra as outras
até chegar ao rio, onde o velho
espera que com as águas lhe chegue a idade.

a baixa da cidade cala-se.
há uma chegada, alguém que vem
com o saco aos ombros e
uma centena de sonhos curiosos
levam-se rua abaixo.

o corpo é sempre o mistério de um primeiro encontro.

sábado, 25 de abril de 2009

#98

* já tinha perdido o jeito de me envergonhar.

#97

Estava certo, esse mundo,
como um mapa todo de linhas puras
figurando um grande delta
branco ao redor dos dedos.

Era de cor o lápis que mareava
minha tão próxima
longitude do berço. Como
devia ser, como
estava certo, muito pouco
ficava por encher:
a mão bastava para compreender
o avião de cor em fuga desordenada;
hoje acha-se aquém
de toda a luz para que foi criada.

Estava certo esse mundo,
estava certo o rio, o astronauta,
a casa primeira, a cosmogonia
da cidade, o mito da flor, tudo
o que não tardaria a chegar à mão
que agora escreve exilada
do caderno de desenhos.


rui lage

#96




apesar de pensar duas vezes ao cubo, ando absorto.

#95

a vida nunca é como a imaginamos, nem breve o suficiente para que possamos decorá-la, nem longa o suficiente para que nos esqueçamos dela. a vida é um travesti a passear-se pela rua moribunda da cidade, o coração entre as penas do casaco que o vento arrastou cinco metros à frente, as mãos, sóbrias, agarram firmamente a seda dos lenços. a vida é a face desfigurada daquele que sabe sempre qual o passo que tem de dar a seguir.

#94

sexta-feira, 24 de abril de 2009

#93

#92

* preciso de um novo emprego.

#91



há traços que dão a volta ao corpo inteiro, tal como os do teu rosto.

#90

a cidade enche-se subitamente de vultos, rostos que cruzam as ruas e ficam a ver passar o vento sobre a copa das árvores. foi aqui que te vi pela primeira vez, no meio de todos estes vultos, a cambalear as emoções num rosto pesado, abatido como o vento, que de norte chegava cada vez mais frio. talvez ainda te veja chegar, com o casaco a cair-te dos ombros e o andar tosco, com a mala presa à palma da mão direita e o caderno enfiado no bolso largo do casaco. gostava de ver-te chegar, de novo, como da primeira vez.

#89

* bom é conhecer pessoas novas, como o márcio e a patrícia.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

#88

#87



ser inverno é a minha forma de gostar de ti sem nada te dizer.nunca soubeste.

#86

é de flores que te pinto os cabelos
queimados de sol,
e de flores te visto o corpo inteiro
de encontro ao meu.
as flores são de ninguém
tal como tu.

#85

é deste lado do douro que se inventam as gaivotas, em voos rasantes junto à ponte, onde se aninham os pássaros miúdos, fora de estação, junto ao muro da sé e eu espero, de braços cruzados, a noite a cair sobre os telhados das casas, semelhantes, a arranhar a cor das águas onde o céu se reflecte. é deste lado que bate o coração, é aqui que se pinta o amor de estações quentes, e se sorri ao par de passos em frente. aqui vive-se como se o amanhã terminasse em breve e ontem fosse tarde para o antecipar. é aqui...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

#84

#83

Quase gosto da vida que tenho. Sou conhecido nalguns restaurantes, o que não significa que me sirvam melhor, mas é sempre bom ser reconhecido. Raramente saio à noite, mas quando o faço acabo sempre por encontrar alguém que ainda se lembra de mim e quando volto a casa tenho comprimidos que fazem dormir. Por vezes durmo com uma rapariga e faço o que se deve fazer e o prazer vem e passa como um alívio. Não espero encontrar ninguém, a minha melancolia é-me suficientemente querida. Não tenho saudades de pessoas, só de sítios e de coisas. Em particular há um frigorífico que guardo zelosamente na memória. Ainda subsiste algures porque a matéria é a única coisa que resiste.

De que gosto? De literatura, whisky escocês e de adormecer logo. O trabalho é um rentável entretêm que me ocupa as horas mortas. Vejo filmes em casa, de todas as serias. Incomodam-me os barulhos das pessoas sentadas ao meu lado e gosto de rever as cenas mais macabras. Por isso vivo sozinho. Quando preciso, conheço um massagista que é negro e silencioso como a noite. E de Inverno nado.

A minha mulher-a-dias vem todos os dias quer esteja ou não constipado. Se fosse mais bonita e menos surda casava com ela sem qualquer preconceito. Já julguei ser um génio. Agora acho-me um mero mortal desencontrado. Vivo, é já o bastante. Não vou a nenhum lado, mas isso tu já sabias.

Sim, meu amor, esta é a vida que levo. E raramente penso em ti como agora. Não te arrependas de nada. Por hoje já bebi o bastante. À tua saúde.


pedro paixão

#82

#81

chopin consegue cobrir todos os vazios dentro e fora de mim, ocupar os espaços em volta, empacotar a minha tristeza e arrumá-la delicadamente no convés de um qualquer navio. chopin enche-me o peito de um ar puro, às vezes é irremediável o sufoco, as palavras engasgadas à porta da boca, o silêncio interrompido pelas batidas suaves como as sombras da madrugada, terríveis como o adeus último às coisas.
devagar escutar o toque dos dedos no piano e sorrir ao chorar tudo o que ficou entalado dentro do peito, no lugar do coração. chopin é assim, incrível no que nos dá, perfeito no que nós próprios nos damos, porque ouvir chopin implica ouvir o coração a bater-nos no peito, porque ouvir chopin é saber-nos sangue a viajar pelo corpo, dentro das veias em tumulto.
e as notas musicais não invadem o espaço exterior, as notas musicais arrastam o espaço exterior para dentro de nós, enclausuram as paredes, o tecto, o chão, os móveis entre os ossos e a carne do corpo e é irremediável o grito seguinte, a dor a gemer-nos pelos poros no alarme das vísceras. ouvir chopin é libertarmo-nos dos grilhões que nos aprisionam ao que somos, sermos este, aquele, o outro, nós, vós, eles e ainda assim achar que não nos somos suficientes.

#80

#79



as noites são rugas da solidão.

#78

espero-te tarde. já os pardais se recolhem ao ninhos e as andorinhas voam rasteiras à espera do pôr-do-sol. na espera teço a saudade, com pés de meia, delicados como passos dados à deriva. queria conseguir esperar-te sem me doer.

#77

trajecto:
.ponte do infante. rua de azevedo magalhães. cafetaria red rose. café aveiro. biscafé. rua de são jorge. sanzala. café sarda. arcos de sardão. praceta da alegria. rua da saudade. vilar de andorinho. 156. lijó. alheia. rua da ira do lobo.
: inverter trajecto

terça-feira, 21 de abril de 2009

#76

#75



as flores também morrem.
vamos florir?

#74

não interessa por onde caminhe, em que pedras perca os pés, em que veredas, o fim será sempre o mesmo, a mesma vida, a mesma rua, a mesma casa e, se possível, o mesmo par de braços no mesmo corpo, onde uma face aguarda um mar de lágrimas com sorrisos a tombar-lhe para o chão. é disto que se fala no costume, na rotina e, ainda que se pense intolerável, é disto que se faz o tempo, a vida, o espaço exteiror ou interior. todas as moedas têm duas faces, todas as pessoas têm duas caras, alegres ou tristes, depende da estação. não interessa, nem ontem interessou, por que caminho andei e andaste, por que trilhos ladeaste a tua solidão. eu hei-de estar, como estive até agora, no mesmo sítio, ao entardecer de todos os abraços, como da primeira vez.

#73

* café nicola premium na almedina do arrábidashopping.
pre-mi-um = palavra de origem latina que designa prémio, distinção, galardão atribuído a um vencedor. Nicola late premium é a recompensa para os verdadeiros apreciadores de café.

#72

#71

Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia.

Fernando Pessoa

#70

para que lado da vida vais?: perguntam-me.
e eu fecho o coração com os olhos
e deixo-me morrer afogada em lágrimas.

sábado, 18 de abril de 2009

#69



eu sei de um rio que me viu crescer um mar.

#68

De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais.
E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas
da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa:
«o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim,
deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo,
esmagar o coração.»


carlos de oliveira

#67

#66

é preciso muito mais do que um corpo
para ser-se homem,
é preciso mais do que um par de braços e pernas,
mais do que uma alma.
para ser-se homem é preciso
a vida inteira e alguma solidão.

#65

* preciso de um mastercard para atingir a mudança.

#64



ensina-me a dormir.

#63

os homens são bichos complexos, fecham os braços a abraços e depois vêm pedi-los. e os que os deveriam dar, por essa altura já fecharam os braços. os homens são bichos complexos e eu não estou para os aturar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

#62

* este mês morreram três da minha terra: o raúl, o meu tio avô, a sãozinha. a eles muitas memórias e sorrisos.

#61




chover é nascer longe.

#60

quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.


antónio franco alexandre

#59

#58

ao fundo da rua nasce uma casa pequena. são dois rectângulos muito juntos ladeados por um terreno, onde cresce um jardim desgovernado. a casa tem três janelas viradas para mim e respira ainda o cheiro a cimento das paredes, está parada, como morta, mas traz dentro de si tanta vida que o oxigénio que respiro vem-me dela. à porta, agora aberta, está a senhora, de olhos verdes seguros numa pele gasta, que os anos à muito habitam, cabelo branco, branco como a neve que pelo natal lhe costuma cobrir o telhado. a senhora é a minha avó e a casa é a minha casa.
bom é estar de volta.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

#57

* hoje é véspera de folga.

#56

hoje estou afectuosamente afectada. talvez não saibas
da melancolia nos meus olhos, da nostalgia nos meus lábios,
talvez não sintas a saudade nas minhas mãos ou a falta
nos meus braços, mas elas estão lá.

#55

#54

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


fernando pessoa

#53



melancolia ou nostalgia?

terça-feira, 14 de abril de 2009

#52

estamos assim tão vivos que acreditamos
ser possível encolher o coração
até nos caber entre a palma das mãos
estamos assim tão mortos que acreditamos
que ele sobreviverá.

#51

* o meu cartão multibanco expira no fim do mês.

#50

Cai a tarde. Do fundo da alma
vem um barulho de aves em luta com o réptil.
Mas os seus bicos vorazes não encontram
a carne mole; o tronco petrificado rasteja,
procurando o abrigo do corpo,
e volto-me para a parede cuspindo terra
e sangue. Assim veio ter às minhas mãos
a carcassa destruída do animal. Restos duros
e viscosos que a podridão e o musgo devoram
já; e dois olhos inexplicavelmente abertos,
postos em mim até de manhã, ao acordar
com a luz na cara e este poema na cabeça.


nuno júdice

#49



vamos dançar?

#48

tudo havia de ter sido para sempre.
quero os beirais das janelas de novo
cheios de orvalho, quero
os candeeiros de rua a encher de luz o rossio,
ao fundo dos olhos velhos do pobre
homem

tudo havia de ter sido nosso.
espero o som das pálpebras entreabertas,
o grito mudo das ervas rente ao passeio
de todas as ruas, que nos conheceram
em mãos dadas e sorrisos
redondos.

#47

#46

* hoje vi um taxista tirar macacos do nariz.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

#45



quando fores, posso ir contigo?

#44

* não posso chorar mais acabaram-se-me os lenços de papel. 

domingo, 12 de abril de 2009

#43

queria cuidar das flores antes da aurora
as verter de orvalho,
queria segurá-las junto ao coração,
fazer-lhes bater as folhas ao leve
sabor do vento.
depois deixá-las cair no regaço da estação
e, com os olhos postos no horizonte,
ensiná-las a voar.
as flores são leves como plumas,
trazem o rosto, aberto em pétalas,
calejado de gestos meigos ou mansos,
são genuínas até no seu lamento,
delicadas como todas as estrelas sem brilho.
se hoje de flores se enchesse o céu
não tiraria mais meus olhos do azul dos teus.

#42

Fizeste da tua vida
Uma catedral abandonada
Horas esquecidas
Em adoração nocturna
Pedindo silêncio
A tudo o que perdeste

luís falcão

#41

#40

* as águas pleno de romã contêm: bagos de sabugueiro, framboesa, morango, amoras silvestres e mirtilo.

#39

avó. deixa-me o traço fino
do teu pulso, quero escrever
com ele as madrugadas,
torná-las mais fáceis de passar.
deixa-me os calos,
os joanetes e as dores nas costas
para me tornar raíz difícil de arrancar.
quero ser como tu, uma árvore,
entristecer-me apenas nas estações de chuva,
desnudar-me, aparentar ser flácida e frágil
mesmo tendo as raízes mais longas
do mundo. avó. quero envelhecer
devagar e gritá-lo ao mundo.

#38



quando dançamos avó?

#37

cualquier cosa puede ser otra cosa
las manos son todo lo que son
y también algo más.


roberto juarroz

#36

eu sei que vou chorar, avó. sei que em meu peito se abrirão as feridas. não vás avó, não vás hoje nem nunca, não dês a mão à morte, não antes que me abraces. e, por favor avó, por favor, deixa-me a tua força se fores, deixa-ma em cima da cómoda, onde guardas os anos passados a ferro, como as camisas do avô, que já te partiu há mais de vinte anos. tenho saudades tuas avó e eu sei que vou chorar.

#35



sem as raízes caio, volto ao chão de que sou feita.

#34


* hoje perdi uma menina de vista
e vi a vanessa fernandes.

#33

sílaba a sílaba comemos as palavras,
como se fossem mais fáceis os silêncios,
às tantas desaprendemos a arte de falar. 

#32

sábado, 11 de abril de 2009

#31

* tenho saudades de casa.
                      ou
longe de casa tenho frio.

#30

morri rio, nasci mar.




doce é a melancolia.

#29

em 40 dias e 40 noites vou:

*comer profiteroles* fazer 50 abdominais seguidos* sentar-me na ponte d.luís e esperar que 5 metros passem por mim* atirar pipocas para o ar até acertar nas estrelas * comer um crepe de baunilha, caramelo e noz* saltar à corda* inventar uma coreografia para a música da basia bulat* atirar um rolo de papel higiénico da ponte da arrábida* beber chá de morango sem fazer caretas* dormir 10 horas num dia* cozinhar bacalhau com batatas a murro* chegar 15 minutos mais cedo à estação* ir da porta do prédio à casa abandonada ao pé coxinho* caminhar à chuva* gritar um "foda-se" no meio da rotunda da boavista* descobrir qual é a capital da ucrânia* dar dez voltas sobre mim sem parar* ouvir durante 30 minutos a música "com que voz" de amália rodriguês* beber 1,5l de coca cola de uma golada* ir a serralves* rezar 20 pai-nossos e 20 avé-marias* ler o "ofício cantante" do herberto helder* tirar fotografias da ponte da arrábida à noite* passar um semáforo vermelho* pedir desculpa ao vasco* jogar à sueca e comer tremoços* ir três vezes à missa* cantar sempre que tenho medo* aprender a dizer "estou-me a cagar" em francês* ligar aos meus pais e dizer-lhes que tenho saudades* conhecer 5 pessoas novas* escrever uma carta ao luís nunes e à daniela* chegar ao fim do mês com mais de 5 euros no mealheiro* caminhar na praia* passar um dia inteiro de pijama* jogar à macaca* decorar a letra da canção "garçon" dos marante* esfregar o chão do quarto com cera* fazer cara séria quando digo uma piada* correr da porta da casa ao palácio de cristal sem parar* dar um estalo em mim mesma cada vez que disser a palavra "desculpa"*

#28

#27

há tanta melancolia em
adormecer, cerrar os olhos, fechar
o corpo e amortecer a queda
de algumas lágrimas tardias.
às vezes esperar que tudo seja
inquestionável como um aceno,
ou que tudo aguente o tempo
de um adeus.

#26


* hoje engoli uma chiclete.

#25


de que lado do peito te pesa o coração?

sexta-feira, 10 de abril de 2009

#24

Veio do outro lado do mar
pronunciado pelo fogo
e jaz nos jardins suspensos sobre a morte
como um vómito no coração
o nome podre de ninguém

o nome, antónio josé forte
uma faca nos dentes

#23

#22

este poema é feito de gaivotas
com voos estreitos e asas mortas,
gaivotas desgovernadas
e pedaços de penas,
a pairar como peles secas
à tona da pele.

este poema tem versos sem rimas,
a morder algumas ausências perturbantes,
nada superficais, asfixiantes,
temas invulgares, redundantes,

este poema tem uma morte certa
e um ponto final a antecipá-la.

#21



há tanta melancolia em nada se dizer, fechar o corpo e ver a cidade chover.

#20

às vezes quero acreditar que é possível enfiar um sorriso no rosto, libertar as asas que há muito trago amarradas às costas e voar. às vezes quero acreditar. e odeio não ser capaz de fazê-lo, cerrar os olhos à obstinação, cravar o corpo com perguntas da espessura de gestos e pensar que sonhar é um acto demasiado delicado para alguém como eu.


estou rasa de água e tenho sede.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

#19

os teus olhos têm o fulgor de dois amantes intemporais e creio ser-me impossível fugir deles, por isso me escondo entre o dito e o não dito, só para parecer longe demais, e o que eu sempre quis, na verdade, foi uma casa, um livro entreaberto, uma página em branco onde escrever as fatilidades do destino. não tenho recordações, tenho memórias, que por si só vendem todos os meus sonhos. tenho a imperfeição de uma lágrima que cai sozinha e, ainda assim, sou a mais bela de todas as tristes.

#18

#17

de coisa nenhuma
de coisa alguma
de coisa outra
de coisa


de coisa tanta.

#16



dos mares há sempre um primeiro.

#15

de todos os beijos o mais doloroso é o que não se deu. o que por lábios distantes sucumbiu ao peso do ar, o que respirou a vontade e se esvaiu como sopro. de todos os beijos o mais doloroso é o nosso, que por silvos caminhos transitou como enfermo, e já tarde seguiu por outros desertos. não se encontrou, disperso figurou um amor casual, transitório parou, e à porta da casa ficou, talvez ainda lá esteja, à espera que alguém lhe diga "bom dia", ou que simplesmente o levem. o abrigo dos beijos não tem necessáriamente de ser a boca, pode ser um par de braços bem atados ao corpo ou um simples nome, vindo de longe, a soltar-se na boca, a cair-se nos lábios, a morrer-se no coração. 

segunda-feira, 6 de abril de 2009

#14



e a chuva chama por ti, pai.

#13

tenho saudade de casa
e do teu rosto.

domingo, 5 de abril de 2009

#12

#11

quero falar de ti, é por isso que aqui volto. trago o coração amordaçado atrás das costas, a bater-me num lugar estranho, a doer-me num lugar cativo. quero chorar em/por ti, tudo de uma vez, que as lágrimas doem mais dentro do corpo que fora dele. quero hoje, antes que me morram as vontades e os quereres, prender-me à melhor recordação que de ti tenho, a mais pesada, e lançar-me mar adentro, mar ao fundo.

#10



somos sempre tão incrivelmente sozinhos.

#09

eu mato a saudade com bolas de berlim num banco da praça.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

#08

"O homem é um animal monótono. Repete-se vergonhosamente nas anedotas que conta, nos actos que pratica, nas ideias que defende, nas paixões que revela. Há muito tempo já que aqui venho por esta época encontrar-me com os mesmos companheiros e caçar com eles nas mesmas herdades. E só a natureza me parece variada. Só os sobreiros, as azinheiras, a cor das lavradas e os poentes nunca são iguais aos do ano anterior..."

Miguel Torga
diário XI

#07

#06

silêncio

quinta-feira, 2 de abril de 2009

#05



hoje aprendi: é nos teus olhos que se aninham as gaivotas.

#04

este poema tem um homem ao contrário
que se passeia
se perpetua
e se encosta em todas as letras
chora

neste poema há um lamento primeiro
que arde nas veias
sufoca na garganta
e amordaça a saudade a cada palavra
grita

deste poema nada se escreve
porque se chora
se grita
e se reclama por rimas
soltas

#03

#02




as paredes falam-me, desta cidade onde me morrem os passos.

#01

não sabes, talvez julgues saber, que o tempo é do tamanho de crisântemos e se desfolha com as estações. mas tu não sabes, tu nunca soubeste que o amor é do tempo em que apenas se ofereciam crisântemos a corpos mortos, escondidos debaixo de lápides manchadas de cera.